Sossegadas as balbúrdias do dia, já a noite vinha devagarinho deitar pozinhos de sono por aqui e por ali.
Sentadas à lareira da velha casa, a avó e a neta começaram a pensar qual havia de ser a última história do dia.
— Conte lá a história da Carochinha! — pediu a Mariana.
A avó admirou-se:
— Outra vez?! Mas tu nunca me deixas acabar como deve ser...
— Hoje deixo! — prometeu a menina.
E a avó contou a história da Carochinha, como ela é conhecida. Falou da Carochinha à janela, toda contente por ter encontrado uma moeda ao varrer sua casinha:
— Quem quer casar com a Carochinha, que é formosa e bonitinha?
— “Quero eu, quero eu!” — tinham dito um cão, um gato, um galo, um boi, um burro...
Mas a Carochinha não tinha gostado da voz de nenhum deles e todos se tinham ido embora. Até que apareceu um ratinho: “Quero eu, quero eu!”
— Oh, como és engraçado! Ora fala um bocadinho, para eu ouvir bem a tua voz!
— Chi... Chi... Chi...
— Que linda fala! Vamos já casar! Vamos já casar!
E assim foi. No dia da boda, já iam a caminho da igreja para o casório, quando a Carochinha deu por falta de uma luva que tinha esquecido na cozinha, ao mexer o panelão que fervia ao lume.
— Vou já buscar a luva! — disse o ratinho, muito amável.
— Tem cuidado, não te debruces no caldeirão!!! — avisou a noiva.
— Bem — continuou a avó — o ratinho foi até à cozinha e...
A neta, que ouvia a história com muita atenção, disse de repente: — Mas a porta estava fechada!!!
A avó continuou:
— Pronto, a porta estava fechada e então o ratinho foi logo a ver da chave...
— Mas não a encontrou!!! — disse muito depressa a Mariana.
— Bem — continuou a avó — o ratinho então subiu a um postigo de grades que dava para a cozinha, e...
— Viu que não cabia por entre as grades!!! — acudiu muito aflita a Mariana.
A avó não desistiu:
— Bem, então o ratinho, que era muito esperto e queria ir buscar lá dentro da cozinha a luva da Carochinha, pôs-se à procura de um buraco na porta pelo qual entrasse...
— Mas não encontrou!!! A porta era nova! — interrompeu a Mariana
— Bem, então não pôde ir buscar a luva da Carochinha à cozinha e voltou muito triste para junto da sua noiva, que...
— Ó avó, escusa de dizer agora que ela lhe deu a chave da cozinha, porque eu sei que não deu nada!!! — quase gritou a neta.
— Por acaso era isso mesmo que eu ia dizer... — riu a avó.
E as duas, avó e neta, ali ficaram a rir e a brincar à beira do lume e à beira de uma velha história da Carochinha que a neta não queria, por nada deste mundo, que acabasse…
com o João Ratão
cozido e assado
dentro do caldeirão!
Maria Alberta Menéres
Histórias de tempo vai tempo vem
Porto, Edições Asa, 1988
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