A chuva que caía há dias, parara finalmente nessa tarde. Um suspiro de alívio percorreu a turma toda. Os rapazes sabiam agora que o jogo de futebol, há tanto ansiosamente esperado, poderia ter lugar e já não seria cancelado por causa do mau tempo. A resposta que o pai de Ricardo deu a Matias pesava quase 40 kg e vinha a rir-se. O pai tinha mandado Ricardo. Assim que viu o amigo sentado à espera na soleira da porta, disse-lhe:
— Bom, às três horas no campo de jogos, mas em ponto! — diz Matias para Ricardo, ao irem juntos para casa no fim das aulas.
Ricardo abana a cabeça e murmura algo de incompreensível sempre que Matias dá pontapés nas pedras do caminho para ensaiar golos. Tenta acertar num tronco, numa pedra, ou até numa determinada folha de um ramo. Ricardo já não suporta este hábito. É que Matias tem tudo menos boa pontaria.
As suas brincadeiras com as pedras já haviam causado aborrecimentos que chegassem. Matias achava que era precisamente por isso que devia treinar mais. Como se dar pontapés a pedras fosse de uma importância vital!
Ainda Ricardo não tinha acabado de pensar e já se ouvia o barulho de vidros partidos: a última pedra de Matias tinha voado direitinho à janela da entrada do Sr. Gilberto. Ricardo ficou petrificado a olhar.
— O melhor agora é fugir! — ouviu Matias sibilar. E, num pinote, o autor da asneira desapareceu a correr pela rua abaixo.
Ricardo ainda estava a olhá-lo, confuso, quando sentiu que alguém o agarrava pela gola e o puxava com força. À sua frente, furioso e ofegante, estava o senhor Gilberto.
— Até que enfim que te apanhei, rapazinho! Espera lá, que te vou entregar já ao teu pai, e vais ver o que te vai acontecer!
Às três horas em ponto, Matias apareceu no campo de jogos mas, por mais que procurasse Ricardo, não o encontrou.
“Afinal sempre o apanharam”, pensou Matias “e, ou assumiu ele a culpa, ou não o deixaram falar. Já é costume. O pai dele, às vezes, é muito severo.”
Matias ficou de pé, na tribuna, a olhar para o campo vazio, em baixo. Combinavam quase sempre encontrar-se uma hora antes, para arranjarem um bom lugar. Mas, de um momento para o outro, Matias perdeu o entusiasmo pelo jogo. Pensava no vidro da janela, em Ricardo, e a má consciência atormentava-o. Devagar e de cabeça baixa, abandonou o campo e encaminhou-se, hesitante, para a casa dos pais de Ricardo.
Foi o pai em pessoa que lhe abriu a porta. Furioso como estava, nem sequer deixou Matias falar, dizendo-lhe asperamente:
— É inútil, rapaz! O Ricardo está fechado no quarto, de castigo a fazer os trabalhos de casa… Ele que te conte tudo na segunda-feira, na escola. Até lá, já só faltam dois dias e meio — e voltou para dentro, fechando a porta com força.
Matias voltou a tocar à campainha insistentemente e, desesperado, acabou por bater à porta com os punhos. Não podia aceitar uma injustiça daquelas. Mas nada se ouvia dentro de casa.
Os pensamentos atropelavam-se-lhe na cabeça.
“Muito bem”, pensava ele, “então vou contar-lhe a verdade pelo telefone. E se ele também não me deixa falar pelo telefone?”
De repente, Matias tem uma ideia e volta a correr para casa. A mãe ainda não tinha regressado do trabalho. Procurou papel de carta e um envelope, escreveu a toda a pressa umas linhas no papel e levou a carta à estação dos correios mais próxima. Mostrou ao empregado o dinheiro que lhe sobrava da semanada e perguntou:
— Chega para mandar uma carta por correio-expresso para a cidade?
— Chega e sobra, rapaz.
— E a carta é entregue agora mesmo?
O empregado olhou-o sorrindo e respondeu:
— Há fogo? Não tenhas medo, que estás com sorte. A carta pode chegar ao destino em meia hora. Ex-cepcio-nal-mente!
Matias entregou a carta, feliz.
Uma meia hora mais tarde, o pai de Ricardo abria uma carta, entregue por um estafeta motorizado. E, admirado, leu:
Caro Sr. Pinto,
Venho, por este meio, provar-lhe que a verdade afinal sempre consegue entrar em sua casa. Fui eu que parti o vidro da janela e vou pagá-lo com a minha próxima semanada.
Espero pela resposta em frente à sua casa.
Com os meus cumprimentos
Matias
— Matias, tu és o maior maluco do mundo! O que tu fizeste… bem, nunca hei-de esquecer.
— Ora — resmungou Matias — não fales tanto, se não ainda vamos perder a segunda parte do jogo.
Jutta Modler (org)
Brücken Bauen
Wien, Herder, 1987
tradução e adaptação
28.7.07
O caminho para a verdade
Eva Rechlin
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