28.7.07

O meu avô, às vezes…


Quando a minha avó morreu, o meu avô passou a morar sozinho no andar por baixo do nosso. O pequeno-almoço e o jantar prepara-os ele e, ao almoço, vem todos os dias a nossa casa. Quem lhe trata da casa e da roupa é a minha mãe.
Os meus pais resmungam um pouco de cada vez que vem, porque ele ouve muito mal, mas recusa-se a usar o aparelho. Costuma dizer que, com ele posto, ouve o próprio mastigar, e que não lhe agrada nada. Assim, ouvimo-lo nós e ainda por cima duas vezes mais alto! Mas é claro que nunca nenhum de nós diria isso ao avô.
Quando venho da escola e quero contar alguma coisa importante à minha mãe, não consigo. O avô fala ininterruptamente, e ainda por cima, sempre da mesma coisa: da vida no tempo dele, e principalmente, do último carro que teve. Sempre o mesmo! E tão alto, que nós nem conseguimos ouvir-nos uns aos outros. Mas zanga-se a sério se não o ouvirmos com atenção!
A minha mãe diz que o avô a enerva, e o meu pai concorda. Ele também já não aguenta mais a eterna conversa sobre o carro.
Outra coisa que o avô também tem sempre de dizer, são as compras que fez nesse dia e o que está a pensar comer à noite.
— Mas, avô, acabou agora mesmo de nos contar isso! — interrompe às vezes a minha mãe. O meu avô faz um aceno de cabeça mas continua.
— Isto acontece porque ele passa muito tempo sozinho e não tem mais ninguém com quem falar durante o dia! — diz o meu pai, quando nos ouve barafustar.
Então, ficamos cheios de pena do avô e prometemos ser mais amáveis com ele no almoço seguinte. Que diga pela vigésima vez o que lhe agrada tanto no seu automóvel, que nós vamos ouvi-lo com toda a atenção para que perceba que todos nos interessamos pelo seu carrinho.
O avô também gosta sempre de beber café com leite depois das refeições, mas não podemos esquecer-nos de trazer o leite num jarro, por exemplo. Ou noutra coisa qualquer, menos na embalagem. E, por muito que gostemos do avô, há uma coisa que vamos ter de continuar a esconder: os jornais e os prospectos de publicidade. É que o avô tem a mania de ler em voz alta tudo o que apanha, e nem quer saber se nós estamos interessados em ouvir o que está escrito no pacote do leite ou nos prospectos de publicidade.
Infelizmente, por mais cautelas que tivermos e por mais que arrumemos tudo o que possa ser lido, o avô acaba sempre por encontrar qualquer coisa. Ainda ontem ao almoço leu-nos uma factura que tinha vindo de manhã pelo correio. A minha mãe tinha-a posto ao lado do prato dela para a mostrar ao meu pai, e eu não devia saber de nada porque era de uma prenda de anos para mim, mas, quando o avô a apanhou, já era demasiado tarde…
O avô também traz sempre a agenda dele e lê-nos regularmente tudo o que anotou: o aniversário da tia Gertrudes, quando tem de levar carro à revisão, quando vêm buscar o ferro-velho, e quando sai o próximo número das palavras cruzadas. Quando as datas chegam, esquece-se do aniversário da tia Gertrudes, da revisão e do ferro-velho.
Às vezes rio-me tanto por causa do avô! Tem ideias brilhantes para tudo. Põe a mesa do pequeno-almoço à noite, de véspera. Como não gosta de lavar a loiça, tem sempre uma bacia com água e detergente em cima da banca, onde põe toda a loiça suja que juntou durante o dia. Antes de ir dormir, deita a água fora e deixa secar a loiça durante a noite. Diz que, assim, há já muito tempo que não usa panos da cozinha. E é precisamente por isso que a minha mãe volta a lavar tudo de cada vez que ele devolve qualquer coisa. E, quando me oferece sumo, eu lavo primeiro o copo muito bem.
— Mas está limpo! — admira-se ele. Então eu digo que o sumo me sabe melhor bebido por um copo molhado. — Cada um tem a sua mania! — ri o meu avô.
Também me rio de cada vez que o vejo a limpar a tábua do pequeno-almoço com o aspirador pequenino.
— É muito mais higiénico do que lavar com água! — explica. — A madeira absorve só a água e deixa ficar as migalhas, e o aspirador limpa tudo melhor.
— Ugh! — arrepia-se a minha mãe. O meu pai bem tenta tirar-lhe a ideia do aspirador, mas ele nem ouve. Já está a contar-lhe aos berros qualquer coisa sobre o carro ou sobre o queijo que comprou hoje e que vai comer mais tarde. O meu pai bem olha para a minha mãe à procura de ajuda, mas ela ri e encolhe os ombros.
Como gosta tanto de conduzir, o avô vai todas as manhãs ao supermercado, só que como ele precisa de muito poucas coisas, acaba sempre por comprar em demasia. E porque acha que todas as promoções são boas e baratas, compra em tanta quantidade, que acaba por nos dar o que lhe sobra.
— Ele faz isto com boa intenção — diz o meu pai. Mas a minha mãe zanga-se porque ela já foi às compras e nenhum de nós come as salsichas enlatadas mais baratas do mercado ou a sopa de pacote. Ela compra tudo fresco e tem em atenção a qualidade, enquanto o avô só olha ao preço. Quando traz um queijo enorme, por exemplo, fica todo contente por ter comprado um tão grande por tão pouco dinheiro. Que a validade já tenha acabado, isso não o incomoda. E como, de qualquer forma, não consegue comer tanto queijo, acaba por oferecê-lo logo todo inteirinho à minha mãe, que ainda por cima tem de agradecer, embora na verdade fique zangada.
Mas só uma vez é que a minha mãe se zangou a sério com o avô: foi quando ele resolveu não lhe dar tanto trabalho e ao mesmo tempo poupar pó da máquina. Andou uma semana inteirinha sem tirar a roupa interior.
— Eu estou a poupar — disse à minha mãe. — Antigamente também não se trocava de roupa interior todos os dias. Assim, tu não precisas de pôr sempre a máquina a trabalhar, e vocês poupam energia. Todos os dias vem no jornal que se deve poupar energia, e é assim que se começa!
— Assim não se começa nada! — gritou a minha mãe. E gritou tão alto, que o avô ficou assustado a olhar para ela.
— Pronto, está bem! — disse ele. — Eu só queria dar menos trabalho!
Então a minha mãe abraçou-o e disse-lhe que não tinha falado por mal. E entretanto o avô já passou a mudar a roupa todos os dias.
Na semana passada, de um momento para o outro, o meu avô não conseguiu levantar-se de manhã. Tinha dores no corpo todo. A minha mãe chamou logo o médico e nós ficámos muito preocupados com ele. Acabou por ter de ficar dois dias internado no hospital.
Esteve de cama até ontem. A minha mãe levou-lhe todos os dias a comida, mas hoje já se levantou e já tomou o pequeno-almoço na cozinha. Daqui a pouco vem almoçar connosco. Tivemos tanto medo! Agora estamos contentes por tê-lo de novo ao almoço. Sentimos muito a falta dele. E eu jurei passar a prestar-lhe sempre atenção. Mesmo quando me conta a mesma coisa quinze vezes seguidas. O avô não tem mais ninguém que o ouça, e precisa de nós. E nós precisamos dele, porque lhe queremos muito.

Rolf Krenzer

Jutta Modler (org.)
Brücken Bauen
Wien, Herder, 1987
Traduzido e adaptado

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